... e tranquei o coração, com você
dentro, joguei a chave fora. Ainda que sair?
E aguardo ansioso na porta, de pé.
Sinto o cheiro do incenso que se debate e reluta contra o ar dentro dos
aposentos vazios. Teu ídolo toca na
vitrola logo ali no canto da sala. O colchão está jogado na outra parede com lençóis
limpos, almofadas novas. E ainda te espero de pé na porta, constando no relógio
de bolso que já me atrasou dois minutos e meio. Não sei, mas a impaciência é
grande quando os minutos se tornam horas . Isso sempre ocorre quando te espero,
os segundos são demasiadamente longos e nossos momentos parecem tão
sorrateiramente efêmeros.
Então não te demoras mais que três
minutos de atraso, logo trás esse conforto para dentro de mim. Toda essa
confusão. Faz-me tomar um gole, dois, das tuas bebidas mais fortes; teus
sorrisos, tuas gargalhadas, teu toque, teus olhos que se debruçam sobre os meus
e toma o meu folego com uma facilidade incrível. Consome o meu ser inteiro e
respiro a tua pele e dela retiro a essência que preservo tão fundo em mim, tão
guardado, para que todas as noites o sono seja leve, seja doce. Seja, até mesmo
ele, teu.
Todas às vezes quero poder gravar a
tua voz, quero poder escutar você me cantando, me retirando do serio, me
forçando a rir com tantas crises de ciúmes consecutivas. Olho-te no fundo dos
olhos e quero te sugar inteiro, te guarda em um pontinho, te preservar e te
ninar todas as noites. Desejo o teu corpo quente desconcertando o meu, tuas
provocações que me corroem em desejo.
Então chegas, nesta noite fria, e me
olhas. Tanto tempo faz desde nosso ultimo encontro, mas sei exatamente o estado
de cada poro da tua pele, dos teus pelos, do teu sorriso. E recosto a cabeça na
porta pra poder te olhar. Quanto tempo faz desde que você chegou? Parecem
horas, esses minutos que passamos aqui nos olhando. Selas nossos lábios.
Estou em casa.
Tomo as tuas mãos na minha, aconchego
o teu corpo ao meu, que como em um encaixe perfeito de quebra-cabeça, se
completa ao meu. Risonho, te faço rodar no ar, dançamos atentamente. Desfiz-nos
das roupas, dos sapatos, das barbas e do sono. Dançamos e cantamos, você gira e
sorri, me faz caretas e logo pinta com nossos corpos as paredes da sala, do
quarto, da cozinha e os limpa no banheiro, em um banho demorado de espuma.
Devaneio.
Sorrio, balançando a cabeça
vagarosamente. Me pego olhando pela janela os carros passarem na avenida, me pego
desejando você de uma forma tão forte que sinto teu cheiro aqui impregnado nas
minhas roupas de cama, na caminha camisa bufenta, nos meus dedos. Ainda consigo
lembrar de cada momento desde a última vez que você veio me desejar bons sonhos.
As paredes ainda estão impregnadas de ti, eu ainda estou. Que forte você, não?
Tão impregnado aqui em mim, mesmo depois de tantos dias.
E continuo olhando, sentindo,
sorrindo. Teu reflexo no espelho me abraçando, teus carinhos de boa noite, teu
ninar e tua voz doce que rompe meus medos, me injeta força. Tão sorrateiramente
me invades todas as vezes que me contas sobre teu dia, quando te irritas,
quando escuto a mais linda de todas as risadas. E me tomas, me recrutas. Sou
teu e apenas.
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